Meio-dia e cinco, comboio com destino a Aveiro. Entro na última carruagem quase vazia que passará a primeira e cheia depois de Campanhã. Dois bancos à frente, lado esquerdo, está de frente para mim um casal estrangeiro de mochila. Lado direito, banco a seguir ao meu e de costas para mim encontra-se um senhor que faz lembrar o meu avô paterno.
O senhor fala com o casal de uma forma meiga, vagarosa e excessivamente alta. Explica-lhes em português que “agora, vamos assim, de costas. Depois de Campanhã, o comboio dá a volta e passamos a ir virados para a frente.” Os estrangeiros mostram alguma inquietação, nota-se pelo encorrilhado da testa que estão em esforço para compreender o que lhes está a ser dito ao mesmo tempo que tentam conferir o folheto das estações e apeadeiros. Pergunto-me porque raios está o senhor a explicar-lhes aquilo, está só e apenas a confundi-los. Mas o senhor, que veste uma camisa de manga curta bege e pousou o chapéu no banco da frente, continua a insistir. Faz desenhos no ar a simular a inversão de marcha do comboio. Aponta para as extremidades da composição: trás e depois, frente! O casal arregala os olhos, pareceu-me ouvir dizer Guimarães. Fico na dúvida se deverei perguntar o destino deles. Mas o senhor está há mais tempo com eles do que eu, não deve ser Guimarães o destino final. E fico calada.
Depois de tantas explicações portuguesas, o homem do casal levanta-se e, como que atingido pela iluminação divina, repete o desenho no ar com a meia-volta do comboio. E volto a ficar com a pulga atrás da orelha, a meia-volta dele pareceu-me grande de mais.
Entrada em Campanhã e o senhor levanta-se para demonstrar o que lhes estava a explicar por gestos e palavras. Entretanto a carruagem vai enchendo e três miúdas sentam-se nos bancos onde estava o senhor e perguntam de quem é o chapéu: é meu, só fui ali dar uma informação. São polacos. São uns polacos que vão para Espinho – diz, orgulhoso. Na posse desta informação, desisto da cisma.
Não desisti completamente, para isso tinha que os ver apearem-se em Espinho. E chegamos a Espinho, o senhor levantou-se e chamou-os com uma espécie de assobio e a mão em concha: é aqui, chegamos a Espinho. Os estrangeiros não se levantam. O senhor insiste mais uma vez, acaba por sair. Não pode esperar por eles. Espinho é o destino dele e eu só penso: Meu Deus, queres ver que é para Guimarães que eles querem ir e estão (foram) convencidos que o comboio faz “inversão de marcha” em Aveiro?
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