Entrar numa Vida Portuguesa é sentir um misto de saudosismo e esperança no futuro. Demos a voltinha da praxe, mas não comprei nada. Também não têm o tamanho médio da andorinha do Bordallo Pinheiro, ainda não é desta que termino o bando. Pronto, olhar para o mapa e descodificar o percurso.
Procura-se o metro do Martim Moniz e perde-se algum tempo a olhar para as linhas do mapa afixado. Pedimos um mapa no metro, mas não há mapas para dar. Só há tabelas de preço, “ò senhora, antigamente havia tudo, mas agora, senhora, com os cortes não há nada. E, senhora, só sou eu para fazer tudo, senhora!” – disse-nos a funcionária na nossa primeira viagem de metro. Teve sorte com a nossa aparição, de outra forma os turistas franceses nunca compreenderiam que era a linha verde que deviam procurar. Digo procurar porque os para cima e para baixo, esquerdas e direitas berrados não seriam suficientemente indicativos, quis me parecer. Mas que a moça dizia bem e repetidamente senhora, dizia (puta)!
Só há metro até ao Cais do Sodré, “e Belém ainda fica longe para caralho para ir a pé!” Um olhar mais atento e vemos uma continuação da linha a cinzento:
- Isto quer dizer alguma coisa…
- Não, não há metro.
- Olha, quer dizer que há ligação ao comboio!
E lá vamos no metro, chegada ao Cais do Sodré e “olha o Coelho da Alice, deixa tirar uma fotografia!” Vemos as placas do comboio, no entanto o seguro morreu de velho e deixa lá perguntar à miúda que aí vem:
- Olá, olhe, para ir para Belém no comboio como fazemos?
- Para ir para o comboio, é subir estas escadas à esquerda. Também dá para ir de autocarro. Qualquer comboio que vá para o Estoril ou Cascais serve.
- Tem a certeza?
- Tenho.
- Não vamos parar ao Algarve?
- Não.
- E este cartão Lisboa Viva serve para usar no comboio ou temos que comprar bilhete? (O senhor do hotel já nos tinha dito que sim que dava para tudo e que era igual ao Andante do Porto e que o Corte Inglês era igual ao de Gaia e que o Marquês era tipo a Rotunda da Boavista, mas nunca fiando...)
- O Lisboa Viva dá para tudo!
- Obrigada!
Subimos as escadas e perguntamos ao funcionário o horário do comboio pretendido. O homem levanta-se dentro da casotinha e “não sei de cor, também tenho de ver ali no placar”:
- Ai tem ali o placar… que grande… quem não sabe é como quem não vê! (Boi, não somos de cá!)
- Têm um a sair daqui a 10 minutos, saem na terceira estação: Santos, Alcântara e Belém!
- (O homem até foi um fixe!) Óptimo, obrigada!
Mais umas escadas e o comboio já lá está. Entramos e escolhemos o lugar, a carruagem já tinha povo, mas não estava cheia. Ao longe, reparo num homem de papel em punho caminhando lentamente ao longo da composição. Sempre que alguém passa por ele, pára e coloca a mão estrategicamente na boca e baixa os olhos:
- Olha, para além de seropositivo, vai falar em tuberculose!
Gera-se o silêncio e:
- Senhoras e senhores: sou seropositivo e recentemente fiz tratamento a uma tuberculose (...) Não tenho ajudas do Estado, nem de ninguém (…) se me puderem ajudar com alguma coisa, fico agradecido!
Ouvem-se alguns tilintares mas, infelizmente, a nossa cota de dinheiro para artistas já tinha sido gasta com o senhor de fato preto na passagem pela Igreja Paroquial do Santíssimo Sacramento:
- Como é que sabias que ele ia falar em tuberculose?
- Então, ele vinha desde lá de baixo a pôr a mão na boca sempre que alguém passava por ele!
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