quarta-feira, 27 de março de 2013

Conta-me como foi nas Fontainhas

Foto: JMMGomes
Até aos cinco anos morei nas Fontainhas. Era diferente. Havia entreajuda na vizinhança. Era quase tudo velhote. Para mim, na altura, pareciam-me terem quase 100 anos. Lembro-me da Dona Laidinha de cabelo branco e óculos de massa preta, a Dona Laurinda que usava peruca e bebia uns copos, a Dona Gusta que devolveu o bife já cozinhado ao senhor do talho porque era duro. O senhor do talho comeu-o e disse que estava bem temperado.

A minha irmã reunia o consenso de todas as velhotas: era a criança perfeita! Inteligente, calada, doente, não corria e não suava. Por mais que tentasse, não as conseguia cativar. O meu cadastro infantil apresentava duas inundações provocadas antes dos cinco anos e em domicílio alheio.

Havia a Dona Teté. Não morava nas Fontainhas. Morava na Alexandre Herculano. Não morava numa casa com quintal. Morava num apartamento com marquise. Uma coisa estranha para mim. Mais estranho ainda era ela chamar o Sr. Alves por “Sr. Alves”. Nunca o conheci pessoalmente. Só passado uns anos é que compreendi porquê. Eu não sei qual era a origem do senhor, só sei, ou melhor, juntei o 1+1 e perguntei à minha mãe: a dona Teté era a ‘outra’! Apesar de todas as senhoras irem à missa, não havia nenhuma que condenasse a Dona Teté. Aliás, ela só não alinhava na sueca porque não sabia jogar.

A dona Laurinda, a que usava peruca e bebia uns copos, tinha um filho e uma nora. Nunca os vi. A peruca era preta e, com o passar dos anos e o aumentar da dose, era-lhe cada vez mais difícil manter a dita no sítio. O cabelo dela era completamente branco, mas tinha cabelo. Podiam ter avisado a senhora que pintar o cabelo era o mais adequado à condição dela. Na altura o meu pai tinha galinhas. Quando tinha um galo, a dona Laurinda não podia saber. Eu e a minha irmã éramos treinadas para enfrentar o interrogatório mais insistente. A senhora adorava cabidela de galo. Quando tomava conhecimento da existência do galináceo, este, invariavelmente, ia parar ao tacho. A dona Laurinda era muito insistente, chegava a oferecer 5 contos pelo bicho e pela almoçarada lá em casa.

Já há algum tempo que não repescava nada do antigo blogue, mas, ao ler Demolições na escarpa após derrocada, lembrei-me das Fontainhas.

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